ENTRE O PARADOXO DA TOLERÂNCIA (POPPER) E A ALIENAÇÃO SELETIVA (NIEMÖLLER): anotações de como me livrei de um (falso) dilema
Eis o dilema: mas como se porta e comporta um jurista comprometido com o garantismo constitucional diante de um Juiz (e Corte) que se arvora em ativismo judicial para julgar tais maus-perdedores usurpadores de Poder Constitucional como há algum tempo denunciávamos? Ou a arguição de vítima de “lawfare” é um estratagema que não encontra ressonância com a verdade em comparação débil que desafia a honestidade intelectual média?
28 de Agosto de 2025

Tempos difíceis, mais uma vez, para o Estado Democrático de Direito no Brasil, ao menos, em um recorte menor, desde o segundo turno das Eleições 2014, com a terceira reeleição e o questionamento dos maus-perdedores nas urnas que culminou no Impedimento forçado (2016), passando pela Operação Lava-Jato (2014-2018) e seu “Lavajatismo” (práxis processual de “Lawfare”), que tirou da disputa o Favorito nas pesquisas (2018) e elegeu na Presidência da República um anti-Candidato, este que, com a volta do Favorito na disputa, perde a reeleição (2022) em votação apertada, retornando os maus-perdedores aos holofotes.
Em um país já dividido eleitoralmente, eis que “novamente” ressurgem os maus-perdedores, agora mais organizados, financiados por vários setores do capitalismo nacional, inflados por discurso de ódio, hospedeiros de uma retórica saudosista reverberada por oficiais da reserva, raivosos e armados, difundidos entre um grupo minoritário cristão e repetidores de falsas verdades multiplicadas nas redes on-line, na quadra histórica entre o resultado das Eleições (2022) e o início do novo Governo (2023), insistem em não fazer cumprir a Lei e a Constituição ou inventar suas próprias teratologias sobre.
No clímax desta insistência ilegal e inconstitucional, em um estado golpista de coisas, em 08/01/2023 dá-se um organizado, complexo e bastante meticuloso plano de tomar o Poder e reverter a ordem das urnas, com o claro apoio de setores de forças militares federais e distritais (Comando da Marinha e Polícia Militar do DF), empresários de vários setores (a exemplo do agronegócio) e líderes de correntes cristãs minoritárias (a exemplo de neopentecostais), a ruptura democrática só não ocorreu por absoluta incompetência dos seus partícipes maiores, e não por suas intenções, como apontou o The Economist. Eles eram ruins, ruins não apenas no propósito, mas também na prática – e esta, ainda bem.
Evidente que há que se adicionar ao Editorial do The Economist, a resistência institucional de forças democráticas – não necessariamente “progressistas” – que utilizaram de suas parcas ferramentas ainda restantes de um Estado Liberal (“mínimo” em redundância) para, ainda que fragmentadamente, agir em contragolpe. Parte da imprensa, dos Partidos Políticos, da Polícia, do Ministério Público, do Judiciário, enfim, personagens e instituições que se levantaram para frear a sanha golpista e reinstalar a ordem constitucional (“mínima” também) das coisas.
Houve tentativa de Golpe, não há dúvidas. Tanto o é, que há quem (ainda) lamente não ter sido levado a cabo tal Plano – e certamente repetiriam ou quiçá ainda repetirão a dose –, notadamente, que envolvia militares armados que assassinariam o Presidente da República e seu Vice eleitos, e o então Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, atentados ao aeroporto da Capital Federal, decretos inconstitucionais com fechamento do Congresso Nacional eleito, nomeação totalitária e autocrática nos poderes e todo receituário que não se pode dizer “novidade” no Brasil. E talvez por ser velhos os ingredientes do receituário golpista, talvez, a institucionalidade constitucional no Brasil, desde 1988, já está(va) madura suficiente.
Em sua última defesa, o ex-Presidente da República protagonista da tentativa de golpe último, arguiu ser vítima de “lawfare” (guerra processual), termo que foi trazido por juristas progressistas por ocasião do famoso caso “Lavajato vs. Vazajato” e o ex-e-atual Presidente da República (e outros políticos e grandes empresários), em que se desnudou via jornalismo investigativo sério (um Pulitzer!) o organizado Plano “Extraprocessual” de forja artificiosa de procedimentos previamente combinados com Acusação-e-Juiz e apoio de grande parte dos veículos de formação da “opinião média”, para prejudicar o direito e as defesas dos Acusados que, inclusive, incluía o inexplicável desvio dos valores apreendidos para fundos outros.
Eis o dilema: mas como se porta e comporta um jurista comprometido com o garantismo constitucional diante de um Juiz (e Corte) que se arvora em ativismo judicial para julgar tais maus-perdedores usurpadores de Poder Constitucional como há algum tempo denunciávamos? Ou a arguição de vítima de “lawfare” é um estratagema que não encontra ressonância com a verdade em comparação débil que desafia a honestidade intelectual média?
De um lado, poderia se citar um pastor luterano, o alemão Emil G. F. Martin NIEMÖLLER, que seria o autor do célebre raciocínio anti-nazista de “alienação seletiva”, quando afirmou algo como: “Primeiro eles vieram buscar os socialistas, e eu fiquei calado — porque não era socialista. Então, vieram buscar os sindicalistas, e eu fiquei calado — porque não era sindicalista. Em seguida, vieram buscar os judeus, e eu fiquei calado — porque não era judeu. Foi então que eles vieram me buscar, e já não havia mais ninguém para me defender” (comumente atribuído erroneamente a Bertold Brecht).
Do outro lado, tem-se Karl R. POPPER, filósofo austríaco, que é autor do conhecido “paradoxo da intolerância” eis que, segundo ele, para manter uma sociedade tolerante, é necessário ser intolerante com aqueles que promovem a intolerância, pois a tolerância ilimitada levaria ao desaparecimento da própria tolerância, eis o paradoxo.
Pois bem: Estariam, nós os juristas progressistas e/ou garantistas, sendo “alienados seletivos” (NIEMÖLLER), eis que logo ali “eles” nos “buscarão” ou tão somente estaríamos não sendo tolerantes com os intolerantes, sob pena de estes intolerantes destruírem a sociedade que os tolera(ria) (POPPER)? Onde ficaria o nosso garantismo na atual quadra histórica? Depois de muita reflexão e leitura, chega-se a um posicionamento: é falso o dilema. Não há “escolha fácil” ou mesmo “difícil”, porque não há o que se escolher.
A premissa é que diverge, e daí se caminha para a falsa simetria, pois o ativismo judicial do caso “Lavajato vs. Vazajato” (2018) não é o “mesmo ativismo” (sic) judicial no caso “Golpe Civil-Religioso-Militar” (2023). E para se pinçar apenas uma diferença objetiva: as decisões (solipsistas?) ainda que possam sofrer críticas, são chanceladas por uma Corte Constitucional colegiada (não uma “Operação” de um juiz só). E a diferença subjetiva inevitável: talvez imbuídos de um arrependimento e sentimento de (mea)culpa por terem plantado Aécio (2014 e 2016) e colhido Jair (2018 a 2022), a maior parte do “mainstream” (Capital), agora, condena os atos dos maus-perdedores em 2022 e 2023, visando, imagino, um mínimo de segurança jurídico-institucional (para seus negócios, inclusive), ainda que com o “Indigesto” (sic) eleito.
Pois, epistemologicamente o uso da expressão “Lawfare” na defesa do líder da organização criminosa que atentou contra a Democracia em 2022 e 2023 é indevida, e intelectualmente desonesta, senão uma mera propaganda política para inflar a patuleia raivosa que insiste em respirar o mesmo ar em bolha. Não estamos na bolha e, daqui de fora, respirando o puro ar da racionalidade: coisas bem diversas. Polícia, Ministério Público e Judiciário “dentro das quatro linhas” (sic), pois não.
Na atual quadra histórica, aqueles que se comprometeram e juramentaram o respeito à ordem constitucional – e no caso dos “garantistas”, em específico, que pesquisam, escrevem, publicam e militam nesta causa – não há dilema algum no julgamento histórico (e pedagógico) pela Suprema Corte constitucional brasileira neste 2025, sob a mais alta legitimidade do “contempt of court”, de todos aqueles que estiveram envoltos na mais complexa e organizada trama golpista já vivenciada no Brasil pós-1964, “piorada” por assim dizer, e menos mal.
Em uma última anotação: não há alienação seletiva quanto aos intolerantes. Assim como, não há tolerância que se aliene diante deles, que queriam nos “buscar”, mas não foi desta vez.
São as anotações de como me livrei deste (falso) dilema.
Agosto 2025, véspera do primeiro julgamento do Núcleo Alto do Golpe 2023.
Luiz Fernando Ozawa
(Doutor em Ciências Jurídicas e Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais).